Pesquisadores dão recomendações para evitar transmissão do vírus pelos alimentos
Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC - Food Research Center)
Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center - FoRC), da Universidade de São Paulo, esclarecem à população quais medidas são importantes para manter o vírus da COVID-19 longe dos alimentos. As recomendações são feitas pelos pelos professores Bernadette Dora Gombossy de Melo Franco, Mariza Landgraf e Uelinton Pinto, especialistas em microbiologia de alimentos.
A via de transmissão mais importante do novo coronavírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19, é através de gotículas que saem do trato respiratório superior (boca e nariz) de uma pessoa já doente ou de um portador assintomático, que atingem as mucosas (olhos, nariz e boca) de outras pessoas, causando a doença. A transmissão pode ocorrer também pelo contato das mãos com superfícies contaminadas com o vírus, que pode ser transferido para os olhos, nariz e boca.
Nos surtos anteriores causados pelos coronavírus SARS-CoV e MERS-CoV não houve transmissão dos vírus pelos alimentos, e não há razão para pensar que isso venha a acontecer na COVID-19. A ciência ainda não conseguiu determinar a origem do novo coronavírus SARS-CoV-2, mas há cenários sugerindo que o vírus tenha se espalhado a partir de hospedeiros humanos ou de outras espécies animais, como o morcego e o pangolim, talvez devido à ingestão de um desses dois animais.
De resto, não há qualquer evidência científica que, no Brasil, os animais de corte para consumo humano, como bovinos, aves e suínos etc., sejam portadores ou tenham a doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2.
Apesar das incertezas, algumas medidas muito simples podem ajudar a manter o coronavírus SARS-CoV-2 bem longe da cozinha e dos alimentos.
1. Limpeza das mãos e pulsos
Antes de manusear qualquer alimento é fundamental lavar as mãos corretamente com sabão/sabonete e bastante água corrente, não esquecendo das regiões entre os dedos, pontas dos dedos, dorso das mãos, pulsos e antebraços.
Álcool em gel ajuda na desinfecção, mas não substitui a lavagem cuidadosa das mãos. Está comprovado que a medida mais importante e eficiente para prevenir a transmissão do coronavírus é a lavagem correta das mãos.
O uso de luvas não substitui a lavagem das mãos. Quando a higienização das mãos é feita corretamente, não há necessidade de colocar luvas para manusear alimentos em casa. Há quem não dispense as luvas para lavar louça, mas esse procedimento não tem nenhum efeito na contenção dos vírus, nem de outros micro-organismos.
2. Limpeza na cozinha
As informações sobre o tempo de persistência do coronavírus SARS-CoV-2 em superfícies são ainda controvertidas, mas estudos científicos com outros coronavírus indicam sua permanência em metal, plástico e vidro por até 9 dias. No entanto, esses vírus são inativados rapidamente pelo contato por 1 minuto com álcool etílico 62-71%, água oxigenada 0,5% ou hipoclorito de sódio 0,1%.
Em tempo de COVID-19, as recomendações de higiene e limpeza são as mesmas de sempre, e devem ser seguidas criteriosamente. Bancadas, pias, louças e demais utensílios devem estar sempre limpos e secos, sem resíduos de alimentos. Geladeiras, freezers, fornos, fogão e demais eletrodomésticos devem ser limpos e higienizados com regularidade, com água, sabão e sanitizantes ou água sanitária. O mesmo vale para as paredes, chão e tetos.
Esses procedimentos evitam a presença dos micro-organismos indesejáveis na cozinha, inclusive o coronavírus SARS-CoV-2. Evitam também a contaminação cruzada, ou seja, a transferência de micro-organismos do ambiente ou de alimentos contaminados para alimentos não contaminados, muito frequente nas geladeiras mal higienizadas; isso porque muitos microrganismos causadores de doenças são capazes de se multiplicar em baixa temperatura.
Estudos mostram que a maioria das gastroenterites de origem alimentar e as intoxicações alimentares têm origem nos domicílios, sendo, portanto, muito importante seguir essas recomendações.
3. Cuidados com os alimentos em casa
Para alimentos que serão consumidos crus, como os vegetais folhosos, a recomendação é remover as folhas externas ou danificadas, separar as folhas uma a uma, lavá-las com água tratada abundante e deixá-las em imersão, por 15 minutos, em uma solução de água sanitária (uma colher de sopa diluída em um litro de água), lavando-as depois com água tratada corrente novamente. Para vegetais não folhosos e frutas a serem consumidos com a casca, o procedimento deve ser o mesmo.
Os produtos comerciais à base de cloro para desinfecção de vegetais são eficientes para eliminar a contaminação microbiana. Esses procedimentos são eficientes contra bactérias e vírus também. Não usar água sanitária com outras substâncias na sua composição, pois podem ser tóxicas para o organismo humano. O vinagre para fins culinários não tem nenhum efeito sanitizante e não deve ser usado para este fim.
O tratamento dos alimentos pelo calor, como cozimento e fritura, quando feito corretamente, elimina os vírus caso estejam contaminando o produto cru. No entanto, é preciso evitar a recontaminação depois do aquecimento, principalmente se o alimento não for aquecido novamente antes de ser consumido. É importante também não deixar alimentos cozidos em contato com alimentos crus, para evitar a já mencionada contaminação cruzada.
Ao consumir alimentos, é preciso evitar comer com as mãos, a menos que tenham sido cuidadosamente lavadas (ver item 1). Dar preferência ao uso de talheres ou segurar o alimento com um guardanapo de papel.
Embora não exista nenhuma evidência cientificamente comprovada que produtos de origem animal tenham alguma relação com a COVID-19, recomenda-se evitar o consumo de carnes cruas ou mal processadas.
4. Cuidados com as refeições prontas para consumo fornecidas por entrega domiciliar
Devido à necessidade de a população permanecer em suas residências, a demanda por refeições preparadas fora de casa está aumentando. Para proteger os consumidores e também seus funcionários, os restaurantes e serviços de alimentação optaram por entregas em domicílio ou retirada de refeições em balcões de atendimento ou por drive-thru.
Embora a preparação de refeições em estabelecimentos comerciais deva seguir as boas práticas determinadas pela legislação (RDC 216/2014 em nível Federal; Portaria CVS-5/2013 para o Estado de São Paulo e Portaria 2619/2011 para o município de São Paulo), o momento impede que a fiscalização seja feita de forma eficaz. Assim, cabe ao consumidor proteger a sua saúde e prestar atenção nos seguintes detalhes:
Encomenda: dar preferência a restaurantes e serviços de alimentação de confiança, sempre que possível. Fazer encomendas diretamente a estes estabelecimentos, por telefone ou aplicativos, evitando a interferência de intermediários desconhecidos.
Embalagem: sempre que possível, dar preferência às embalagens de papelão, pois o que sabe até agora é que os coronavírus resistem por mais tempo em embalagens de plástico e metal (alumínio) do que de papel. Caso a refeição seja entregue em embalagens de alumínio, fazer a desinfecção das embalagens com um sanitizante antes de abri-las. Não consumir nenhuma refeição que chegar com a embalagem danificada ou violada.
Temperatura: verificar se a temperatura da refeição está correta. Alimentos quentes tem que chegar quentes nos domicílios e aqueles refrigerados também precisam chegar a temperaturas abaixo de 8C.
Tempo: verificar se o tempo de entrega está de acordo com o acertado com o fornecedor. Não aceitar demoras acima de uma hora, pois pode haver multiplicação de outros micro-organismos que podem causar gastroenterites ou intoxicações alimentares.
Entregador: recomenda-se evitar o contato pessoal com o entregador de refeições. Vale lembrar que um entregador leva refeições para vários domicílios, e pode ser um portador de coronavírus sem que ele saiba disso. As empresas de entregas a domicílio estão recomendando que os entregadores higienizem suas mãos com álcool em gel, que é um cuidado que diminui o risco, mas não reduz o risco a zero. O uso de luvas por entregadores, apesar de recomendado por muitas empresas, é controverso, pois pode dar uma falsa sensação de segurança, levando o entregador e também o consumidor a relaxar nos cuidados de higiene.
Pagamento: dar preferência a pagamentos remotos por aplicativos. Não manusear dinheiro e muito cuidado com as máquinas de pagamento com cartões, elas podem estar contaminadas com o coronavírus SARS-CoV-2 ou com outros micro-organismos causadores de doenças.
Consumidor: recomenda-se consumir refeições prontas, retiradas no local de produção ou entregues por um entregador, o mais rápido possível (menos de 1 h), para evitar multiplicação de micro-organismos que possam causar gastroenterites ou intoxicações alimentares. Cuidado extra deve ser tomado com refeições destinadas a pessoas com o sistema imune comprometido, como gestantes, recém-nascidos, crianças pequenas, pessoas com outras doenças e idosos, pois essas pessoas são alvos mais fáceis dos vírus e outros micro-organismos causadores de doenças. Vale destacar, mais uma vez, que o coronavírus SARS-CoV-2 não se multiplica nos alimentos ou nas suas embalagens. Alimentos e embalagens são apenas veículos do vírus.
Sobras: recomenda-se comprar apenas o que será consumido imediatamente. Evitar armazenar sobras dessas refeições e, quando isso for necessário, mantê-las refrigeradas por, no máximo, 24 horas. Não é recomendável congelar essas refeições prontas no freezer ou congelador, para consumo posterior, porque o descongelamento e novo aquecimento podem comprometer sua qualidade e segurança.
Higiene pessoal: lavar as mãos antes e depois de consumir qualquer alimento. Ver item 1.
5. Cuidados com as compras de mantimentos em pontos de venda com entrega domiciliar
Até o momento, não há nenhuma legislação brasileira reguladora da entrega domiciliar de mantimentos. A recomendação de não entrar em contato direto com o entregador dificulta que o consumidor tenha controle sobre os mantimentos que compra dessa maneira. Assim, para assegurar a proteção de sua saúde, tanto em relação ao coronavírus SARS-CoV-2 e, principalmente, outros micro-organismos causadores de gastroenterites e intoxicações alimentares, o consumidor deve precaver-se e observar os seguintes pontos:
Encomenda: dar preferência a pontos de venda de confiança, sempre que possível. Fazer encomendas diretamente a estes estabelecimentos, usando o telefone ou aplicativos, evitando a interferência de intermediários desconhecidos.
Embalagens: verificar se os mantimentos estão protegidos, embalados separadamente, em embalagens apropriadas. Alimentos perecíveis crus, como carnes e pescado, devem estar em baixa temperatura e embalados de forma segura, de modo que não haja vazamento de líquidos. Laticínios, como iogurtes, manteiga, queijos etc., devem estar em suas embalagens originais, e não apresentar qualquer alteração. Frutas e verduras devem estar íntegras, embaladas em sacos ou recipientes plásticos ou de papel ou papelão, de uso único, sem qualquer dano. Produtos processados (enlatados, conservas, panificados etc.) devem estar íntegros, e não apresentar alteração, inclusive nos recipientes.
Alimentos de risco alto: lembrar que alimentos “prontos para consumo” são os que apresentam maior risco porque não são submetidos a um tratamento que possa reduzir ou eliminar a contaminação microbiana eventualmente presente. Por isso, deve-se evitar usar os serviços de entrega domiciliar para a aquisição de alimentos prontos para consumo que sejam de alto risco, a exemplo de pescados crus (sushi, sashimi, ostras, etc.).
Prazo de validade: verificar cuidadosamente se os produtos adquiridos estão dentro do prazo de validade. Devolver ou descartar aqueles que estejam com o prazo de validade vencido.
Higiene do entregador e do contêiner onde os alimentos são transportados: apesar da recomendação de evitar o contato direto, é possível observar se o entregador está com roupas limpas e com a higiene pessoal em dia. Os contêineres de transporte dos alimentos, feito por motocicletas ou outras formas, devem estar limpíssimos, sem resíduos de alimentos, bolores e outras sujidades, e usados exclusivamente para transporte de alimentos. As empresas de delivery estão recomendando a desinfecção periódica desses contêineres, e o entregador deve ser cobrado a esse respeito, sempre que possível.
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