16/01/2016

Mesa-tenista Felipe Formentin supera câncer e amputação da perna esquerda

Atleta catarinense que venceu câncer e amputou a perna supera barreiras e preconceitos


Mesa-tenista Felipe Formentin. Foto: Arquivo pessoal

Em 2007, o mesa-tenista Felipe Formentin passava as férias de fim de ano na casa de seus parentes, em Santa Catarina. Em uma tarde de sexta-feira, o garoto 11 anos se divertia na rua com os amigos quando torceu o joelho ao realizar uma manobra de skate em cima de uma rampa de madeira.

Ao ser levado para o hospital, um exame de ultrassom mostrou que ele possuía uma mancha escura na coxa esquerda, com 12 cm de extensão. "Havia uma pequena suspeita de câncer, mas os médicos acharam que era uma lesão por esforço repetitivo (LER). Eles me encaminharam para fazer mais exames em Criciúma". disse.

Felipe só realizou os exames complementares no início do ano novo. "Minha mãe não deu muita importância ao que aconteceu, pois já estava acostumada com os meus tombos de skate e achou que era só mais um", contou.

Nesse intervalo de tempo, o catarinense começou a sentir fortes dores na perna. "Comecei a ter ataques insuportáveis de dor. Cheguei a arrancar meus cabelos de tanta dor, que parecia como uma faca perfurando a minha perna", recordou.

Após realizar novos exames, foi descoberto um tumor raro em sua perna esquerda chamado de sarcoma de Ewing. "Enquanto fazia os exames para descobrir do que se tratava, o tumor na minha perna aumentou para 19 cm em apenas uma semana, o que nos históricos da doença é um absurdo. Em 80% dos casos, um tumor de 11 cm já teria se espalhado para outras partes do corpo como pulmão e medula", disse.

"Comecei a ter ataques insuportáveis de dor. Cheguei a arrancar meus cabelos de tanta dor"
"Comecei a ter ataques insuportáveis de dor.
Cheguei a arrancar meus cabelos de tanta dor"

Diante da gravidade da situação, o médico responsável pediu a autorização da mãe de Felipe para amputar a perna dele, pois se tratava de um caso de vida ou morte. "Minha mãe negou e foi xingada pelo médico. Ele disse que ela estava sendo irresponsável e que estava pensando em uma perna em vez de uma vida. Disse que eu iria morrer caso não amputasse a perna. Mas minha mãe não aceitou a amputação", contou.

Felipe procurou outro hospital em Florianópolis e começou a fazer sessões de quimioterapia para combater o câncer. "A quimioterapia para o meu tipo de câncer é muito forte e nociva ao organismo. Fiz ao todo 19 sessões", disse. "Meu câncer já tinha chegado a 31 cm de extensão sem ter se alastrado para nenhuma outra parte do corpo, situação que nunca havia sido registrada antes, algo que deixou os médicos espantados", completou.

Ao final do tratamento, ele viajou para São Paulo em busca de um tratamento com um especialista em ortopedia. Ele estava disposto a realizar uma complexa cirurgia de substituição do fêmur esquerdo por uma prótese interna. "Era uma prótese nova no mercado e que ainda nem tinha no Brasil, estava em fases de testes. O médico trouxe do próprio criador, na Argentina, direto para mim. Fui um dos primeiros a usar aquela nova prótese feita com um material muito leve, resistente e que prometia não causar rejeição pelo organismo", disse.

Em 2009, Felipe realizou o procedimento cirúrgico, aos 13 anos. A cirurgia que estava prevista para durar oito horas foi realizada em apenas três. "Foi um sucesso. Saí da cirurgia normal, mexendo até o pé", disse.

A amputação


De volta para casa, Felipe agora podia recomeçar a sua vida. "Só precisava fazer fisioterapia para recuperar a força da musculatura que eu tinha perdido por ter ficado muito tempo sem usar a perna. Vida normal", disse.

Mas um incidente na escola prejudicou a sua recuperação. "Caí no piso do colégio um dia, pois ainda não tinha força e experiência para andar de muletas. Torci a perna esquerda e fui parar no hospital com muita dor", disse.

No hospital, o médico não conseguiu avaliar o quadro clínico de Felipe. "Ele nunca tinha visto uma prótese como a que eu estava usando e não sabia interpretar o exame de raio-x. Me pediu que parasse de fazer fisioterapia e ficasse um mês sem mexer a perna", contou.

Felipe ficou um mês sem movimentar a perna e a musculatura da região começou a atrofiar. No mês seguinte, voltou a realizar as sessões de fisioterapia quando sofreu um acidente de carro que machucou a sua perna. "Novamente o médico disse para eu parar com a fisioterapia", disse.

"A quimioterapia para o meu tipo de câncer é muito forte e nociva ao organismo. Fiz ao todo 19 sessões"
"A quimioterapia para o meu tipo de câncer é muito forte e nociva ao organismo.
Fiz ao todo 19 sessões"

Em 2010, quando Felipe voltou a fazer as sessões de fisioterapia, sua perna já estava atrofiada. "Não tinha mais progresso. Fiquei muito tempo sem mexer a perna e ela atrofiou na posição que eu ficava, semi flexionada", disse.

Nesse ano, o catarinense que já estava com 15 anos de idade voltou a jogar tênis de mesa, seu esporte favorito. "Treinava de muletas e competi em alguns campeonatos estaduais na categoria paraolímpica. Obtive bons resultados e me reencontrei feliz praticando o esporte que tanto amava", disse.

Cansado da rotina de consultas em hospitais, Felipe começou a pensar em outra alternativa para resolver o problema da perna. "Foi aí que veio um pensamento na minha cabeça, a amputação. Eu sabia que o processo recuperativo de uma amputação era super simples e rápido. Mas eu era muito vaidoso e preconceituoso. Não poderia me imaginar sem uma perna, como um deficiente físico", disse.

Ao pesquisar na internet, Felipe descobriu que pessoas sem perna também levavam uma vida normal, sem limitações. "Casavam, tinham filhos, praticavam esportes e faziam qualquer coisa que quisessem realizar. Fui perdendo o preconceito que tinha, mas não comentava isso com ninguém. Eram apenas pensamentos da minha cabeça", disse.

Quando Felipe voltou para São Paulo, o médico que havia realizado a sua cirurgia lhe disse que não havia nada de errado com a sua perna. Indignado, não entendeu por que os outros médicos haviam pedido para o atleta parar com a fisioterapia. "Ficou muito bravo porque já era para eu estar andando. Ele marcou um procedimento para retirar a calcificação que se formou na minha patela, por ter ficado muito tempo parado, e assim poder voltar às sessões de fisioterapia", disse.

Em outra consulta, para marcar o início da fisioterapia, Felipe pediu ao médico para amputar a perna. "O médico riu da minha cara e me ignorou. Minha mãe mandou eu me calar e perguntou se eu estava louco", disse.

"Não poderia me imaginar sem uma perna, como um deficiente físico"
"Não poderia me imaginar sem uma perna, como um deficiente físico"

Felipe explicou ao médico o motivo de sua decisão. "Expliquei que queria praticar esportes normalmente sem medo de cair e que não queria correr o risco de voltar novamente para a estaca zero", disse.

O médico concordou com a decisão de Felipe, mas lhe deu o prazo de uma semana para pensar melhor no assunto. "Nessa semana minha mãe ficou contra mim, me chamando de louco. Ela chorava todos os dias dizendo: 'nunca vi uma pessoa ter duas pernas normais e querer arrancar uma'", recordou.

Mas Felipe já estava certo de sua decisão. "Estava tranquilo e decidido. Era o que eu queria. E assim foi. Amputei a perna e hoje estou aqui, tranquilo e feliz, praticando esportes como quero e sem medos. Com um futuro muito promissor no esporte", disse.

Vencendo barreiras e quebrando preconceitos


Em 2011, começou a praticar musculação. "Comecei a praticar por recomendação médica para poder andar de muletas e porque estava muito debilitado por tudo que tinha passado. Entrei na musculação com apenas 39 kg e com 19% de gordura. No primeiro ano, aumentei meu peso para 41 kg e baixei a gordura corporal para 12%", disse.

Hoje, aos 19 anos, o catarinense de 1,68 m pesa 55 kg e seu percentual de gordura é de 8%. Para manter o corpo em forma, o atleta treina de segunda a sexta e recebe orientação do ex-fisiculturista Carlos Amorim. "Meus treinos duram cerca de 45 minutos, mas o treino de perna costuma ser mais demorado", disse.

Felipe também cuida da dieta para manter o peso e ganhar massa muscular. "Como eu gasto mais de quatro mil calorias por dia, eu preciso comer muito. Minha dieta é rígida, mas não chego a passar fome", disse.

A musculação ajudou a melhorar a sua performance física. A amputação da perna esquerda não prejudicou o rendimento do jovem atleta, que coleciona várias medalhas e troféus.

Em 2013, Felipe Formentin conquistou uma medalha de ouro por equipes e uma medalha de prata individual nos jogos Pan-Americanos Juvenis. "Foi meu primeiro campeonato internacional e também a minha primeira convocação para a seleção brasileira", disse.

Em 2014, foi medalha de prata por equipes na etapa do Mundial na França e medalha de prata por equipes na etapa do mundial em Buenos Aires. "Terminei o ano de 2014 como primeiro do ranking brasileiro. Ganhei o troféu Guga Kuerten, que premia os melhores do ano de Santa Catarina", disse.

Gustavo Kuerten entrega troféu para Felipe Formentin. Foto: Arquivo pessoal
Gustavo Kuerten entrega troféu para Felipe Formentin.
Foto: Arquivo pessoal

Mesa-tenista Felipe Formentin mostra sua coleção de medalhas e troféus. Foto: Arquivo pessoal
Mesa-tenista Felipe Formentin mostra sua coleção de medalhas e troféus.
Foto: Arquivo pessoal

Felipe Formentim conquistou medalha de ouro nos jogos Pan-Americanos Juvenis, em 2013. Foto: Arquivo pessoal
Felipe Formentim conquistou medalha de ouro nos jogos Pan-Americanos Juvenis, em 2013.
Foto: Arquivo pessoal

Ao optar pela amputação da perna, Felipe Formentim superou o próprio preconceito e o medo que tinha de se tornar um deficiente físico. Mas o esporte lhe mostrou que a ausência de uma perna não o  impediria de subir no pódio para ser coroado um campeão.

"Tento mostrar isso para as pessoas a cada dia. Não há diferença no esporte. Todos são iguais, sejam deficientes ou não. Acredito que tenho condições de um dia ser top 1 do mundo. Tenho paciência e determinação para isso", disse.

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